Este mês conversamos com o Santiago Peredo y Parada, Professor de Agroecologia na Universidade de Santiago do Chile e membro da equipa do GrowLIFE, cuja experiência internacional integra os aspetos técnicos da agronomia com uma compreensão aprofundada das dinâmicas sociais e do impacto da transição agroecológica nas comunidades locais. No GrowLIFE, o Santiago lidera o trabalho nas Rotas para a Sustentabilidade e o envolvimento dos decisores políticos locais.

Olá Santiago, podes apresentar-te brevemente aos nossos leitores?

Olá e muito obrigado pela oportunidade de partilhar as minhas experiências. Tenho trabalhado em agroecologia desde meados dos anos 90, inicialmente centrado nos seus aspetos técnicos e agronómicos. O meu trabalho inicial centrou-se na integração de princípios ecológicos na conceção de sistemas de produção. Com o passar tempo, expandi a minha abordagem para incluir estudos etnoecológicos, com o objetivo de compreender os sistemas de conhecimento das comunidades rurais – em particular, a forma como utilizam os seus territórios e os significados que atribuem ao que muitas vezes designamos por “recursos naturais”.

Na última década, o foco da minha investigação mudou para a exploração dos processos complexos e multidimensionais da transição agroecológica. Estou particularmente interessado nas ligações entre as zonas rurais e urbanas, especialmente na forma como as estruturas de governação podem ser concebidas para garantir benefícios mais amplos a partir da troca de alimentos, recursos, informações e conhecimentos.

Tive a oportunidade de trabalhar diretamente com agricultores de toda a América Latina que praticam ativamente a agroecologia, bem como com iniciativas europeias que procuram incorporar práticas agroecológicas nos seus projetos. O que mais me entusiasma na agroecologia é o seu potencial como abordagem transformadora – que aborda questões sociais promovendo a gestão socio-ecológica dos territórios em que as pessoas habitam.

Podes explicar o que é a agroecologia?

A Agroecologia combina propostas técnicas com uma compreensão dos contextos sociais em que operam, garantindo que as soluções não são apenas cientificamente sólidas, mas também significativas e equitativas.

A agroecologia, tal como é entendida atualmente, começou como uma abordagem científica aos sistemas agrícolas, mas desde então expandiu-se para abranger sistemas alimentares mais amplos. Caracteriza-se por uma base multi-epistemológica, que envolve dois aspetos fundamentais.

Em primeiro lugar, a agroecologia é uma abordagem científica transdisciplinar, que derruba as fronteiras das disciplinas convencionais, permitindo uma compreensão e ação holística e integrada sobre questões relacionadas com a agricultura e a alimentação. Esta integração permite uma visão mais abrangente da realidade, para além do que qualquer disciplina isolada poderia proporcionar.

Em segundo lugar, a agroecologia reconhece e incorpora o conhecimento não científico, particularmente as perceções e práticas desenvolvidas pelas comunidades rurais e movimentos sociais. Ao contrário de outras abordagens, a agroecologia não se baseia apenas em estruturas científicas – valoriza diversas formas de conhecimento, reconhecendo que os princípios científicos são cruciais, mas não são a única solução. Como resultado, a agroecologia manifesta-se através de uma interação dinâmica entre a ciência, os movimentos populares e as práticas socio-ecológicas. Esses elementos são interdependentes e reforçam-se mutuamente, criando as diversas expressões da agroecologia vistas em todo o mundo.

Tive a sorte de testemunhar a evolução da agroecologia institucionalizada desde os seus estágios iniciais. As minhas experiências permitiram-me envolver com as duas escolas de pensamento seminais que moldaram a sua fundação. A primeira escola surgiu da agronomia como uma resposta à Revolução Verde. Esta escola enfatizou a aprendizagem com as comunidades camponesas para estabelecer princípios orientadores para a conceção de explorações agroecológicas. A segunda escola incorpora perspetivas das ciências sociais, particularmente da socio-antropologia e história, para compreender os contextos sociais e históricos da desigualdade e da marginalização que afetam as comunidades mais pobres.

Com o tempo, essas duas perspetivas convergiram, tornando a agroecologia uma estrutura poderosa e transformadora. Combina propostas técnicas com uma compreensão dos contextos sociais em que operam, garantindo que as soluções não são apenas cientificamente sólidas, mas também significativas e equitativas.

Como vês a agroecologia a influenciar as atuais políticas alimentares e agrícolas, tanto a nível nacional como internacional? Quais são as principais mudanças políticas que poderiam apoiar as transições agroecológicas?

O movimento agroecológico, incluindo os seus defensores académicos, há muito que apela a políticas que promovam a agroecologia em vários níveis de ação. Embora os progressos tenham sido desiguais e a coordenação entre sectores continue a ser um desafio, houve conquistas notáveis, particularmente na América Latina. Estes podem ser agrupados em quatro áreas-chave:

1. Inovação e gestão do conhecimento: Foram feitos esforços para promover intercâmbios horizontais, valorizar práticas tradicionais e fomentar redes territoriais. Estas iniciativas ajudam a colmatar as lacunas de conhecimento e incentivam a partilha de boas práticas.

2. Acesso aos recursos: Foram desenvolvidos programas específicos para melhorar o acesso a recursos essenciais, tais como bens naturais, crédito e assistência técnica. Estes programas têm como objetivo capacitar os pequenos agricultores e os agricultores familiares que estão frequentemente na vanguarda das práticas agroecológicas.

3. Segurança alimentar e mercados locais: Foram implementadas políticas para garantir a segurança alimentar, promovendo o desenvolvimento de mercados locais, como feiras, cooperativas de consumidores e organizações de camponeses. Isso inclui estratégias inovadoras como a certificação social, iniciativas de compras públicas que priorizam o abastecimento por produtores familiares e estratégias de preços que apoiam os produtores locais no acesso ao mercado.

4. Regulamentação e subsídios ambientais: As práticas agroecológicas que promovem a agro-biodiversidade e reduzem o uso de pesticidas têm sido apoiadas através de regulamentos e subsídios ambientais.

Estas políticas incentivam os agricultores a adotar práticas mais sustentáveis, tornando-as financeiramente viáveis.

Um exemplo recente de integração política bem-sucedida é o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) do Brasil, que foi lançado juntamente com o Plano Nacional de Abastecimento Alimentar (Planab). Esta abordagem abrangente serve de inspiração para outros países que procuram apoiar as transições agroecológicas.

Na Europa, os sectores mais críticos da agroecologia há muito que defendem uma estratégia de decrescimento sustentável. Esta abordagem procura reduzir a intensidade do metabolismo agrícola (que inclui o impacto ambiental, utilização de energia, etc.), mantendo, ou mesmo melhorando, a qualidade de vida de todas as partes interessadas. As políticas que apoiam esta estratégia têm como objetivo melhorar a eficiência dos sistemas de produção e distribuição, promovendo uma melhor utilização dos recursos nas áreas locais. Esta abordagem é acompanhada de uma mudança no consumo de alimentos para dietas locais, sazonais e à base de plantas, destacando a saúde e a qualidade como prioridades fundamentais.

Recentemente, durante o lançamento da Presidência húngara do Conselho da União Europeia, a Agroecology Europe apresentou um conjunto de recomendações políticas, incluindo:

1. Melhorar a legislação sobre pesticidas: Garantir uma melhor aplicação e responder às preocupações dos cidadãos sobre a utilização de pesticidas.

2. Apoiar os agricultores: Ajudar os agricultores na transição para práticas agroecológicas e recompensá-los pelos benefícios que proporcionam ao ecossistema e à sociedade.

3. Financiamento de projetos pioneiros: Investir em projetos pequenos e inovadores que estejam na vanguarda do desenvolvimento agroecológico.

4. Investimento em todo o sistema: Harmonizar os regulamentos e eliminar gradualmente os subsídios para práticas agrícolas prejudiciais, investindo em todo o sistema alimentar.

Estes exemplos ilustram como a agroecologia pode moldar as políticas a nível nacional e internacional, promovendo a sustentabilidade, a resiliência e a equidade social.

O nosso objetivo é promover a partilha de experiências entre Municípios e inspirar os decisores políticos a desenvolver políticas que apoiem a sustentabilidade dos sistemas alimentares dos seus territórios

Voltando a Portugal, qual é o seu papel no projeto GrowLIFE e como é que isso se traduz na prática? 

No projeto GrowLIFE, o meu papel centra-se principalmente na organização e facilitação das Rotas para a Sustentabilidade. Estas Rotas são itinerários de visita a iniciativas agroecológicas nos diferentes territórios onde o GrowLIFE atua, sendo desenhadas de forma participativa com os intervenientes do sistema alimentar local, incluindo produtores, decisores políticos, associações de produtores e entidades ligadas à restauração e distribuição, etc. O nosso principal objetivo é promover a partilha de experiências entre Municípios e inspirar os decisores políticos a desenvolver políticas que apoiem a sustentabilidade dos sistemas alimentares dos seus territórios.

Tens alguma reflexão final ou mensagem para o nosso público? Há algum apelo à ação que gostaria de partilhar com os que estão empenhados em transformar o sistema alimentar português?

Cada território tem iniciativas agroecológicas únicas, muitas vezes invisíveis ou desvalorizadas, que merecem maior reconhecimento. Estas iniciativas merecem a nossa atenção, uma vez que oferecem conhecimentos valiosos para o desenvolvimento de propostas agroecológicas especificamente adaptadas aos seus contextos únicos. Devemos deixar que as histórias destas iniciativas “falem” e inspirem os diálogos que irão moldar o futuro do sistema alimentar português!

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