Vozes do GrowLIFE – Claudia Barrera-Salas
A série Vozes do GrowLIFE pretende apresentar uma visão abrangente do nosso projeto. Através de uma série de entrevistas, queremos dar a conhecer as suas várias dimensões e intervenientes, incluindo a equipa que desenvolve o projeto, agricultores, decisores políticos, chefes de cozinha, e outros atores relevantes do sistema alimentar.
Acompanha-nos à medida que exploramos as histórias e experiências que constroem o GrowLIFE e nos aproximam de um sistema alimentar mais saudável e sustentável.
– Olá Cláudia, podes apresentar-te?
Olá, sou a Claudia Barrera-Salas, Agrónoma, com um Mestrado e um Doutoramento em Agroecologia. Tive a sorte de escolher a minha carreira e de trabalhar no terreno com as pessoas que abastecem o mundo inteiro de legumes, flores, hortícolas e leguminosas. Adoro o meu trabalho com agricultores que, com infinita bondade, partilham os seus conhecimentos, alimentos e tempo para co-criar a partir da memória biocultural. Esta memória biocultural é a interação entre os saberes históricos/tradicionais das várias gerações e os recursos naturais disponíveis e sua sazonalidade, e esta interação é no fundo o que guia as transições agroecológicas nos seus territórios.
Durante os últimos 18 anos, desenvolvi o meu trabalho em duas áreas complementares no âmbito da Agroecologia. Por um lado, o trabalho de campo diretamente com agricultores e comunidades indígenas, e por outro lado, o ensino formal em salas de aula universitárias. Ao longo da minha carreira tenho colaborado na co-criação de processos de transição agroecológica, trabalhando principalmente na perspetiva técnico-produtiva para a redução de insumos externos (redução de agrotóxicos) nas explorações agrícolas, incorporando práticas, conceitos e elementos-chave da agroecologia na gestão dos recursos naturais nos agroecossistemas. Para iniciar estes processos, é necessário considerar elementos de desenho e planeamento das explorações agrícolas, bem como plantas multifuncionais, adubos verdes, associações (policulturas e culturas intercalares) que permitam aumentar a diversidade funcional, que em conjunto com outras práticas, promovem a estabilidade e resiliência dos agroecossistemas. Tenho tido também a sorte de trabalhar com equipas interdisciplinares, colaborando em diferentes territórios, na organização e reforço das relações comunitárias, entre agricultores e atores chave, para promover uma transição alimentar do território que permita uma transição agroecológica a nível local.
Para terminar , é importante acrescentar que o trabalho em agroecologia com as populações demonstra que comer alimentos saudáveis, locais e a um preço justo é um direito humano fundamental, contribuindo, pelo simples facto de mudar as práticas, para uma vida mais justa e equitativa, tanto para os seres humanos como para a conservação dos recursos naturais disponíveis no território.
– Qual é o seu papel no projeto GrowLIFE?
O meu papel no GrowLIFE consiste em coordenar as Visitas Participativas a Produções Sustentáveis, e acompanhar os processos de transição agroecológica ao nível da exploração com os agricultores interessados em todo o país. Já iniciámos a primeira fase do processo e durante três meses visitámos agricultores em todo o território de Portugal continental, para levantamento das explorações, das suas realidades socioeconómicas e das suas práticas agrícolas, para conhecer o grau de intervenção nos agroecossistemas, rotações de culturas, conservação de sementes e várias outras práticas que, para nossa surpresa, eram práticas agroecológicas mesmo que não fossem reconhecidas como tal pelos agricultores.
Assim, temos agora quatro (4) anos pela frente, para continuar a trabalhar numa transição agroecológica com os agricultores, convidando-os e acompanhando-os na gestão da exploração para gerar um maior volume de produção, o que nos permitirá abastecer os mercados locais com produtos livres de pesticidas de síntese química, promovendo a segurança e soberania alimentar de base local.
– Quais são as suas principais conclusões sobre a realidade agrícola portuguesa?
De acordo com as estatísticas (INE, 2019), em Portugal existem cerca de 274 mil explorações agrícolas familiares, equivalente a 94 % das explorações agrícolas nacionais, com 58 % de Superfície Agrícola Utilizada (SAU). As visitas exploratórias que realizámos incluíram produtores com certificação biológica, agricultores convencionais e agroecológicos. Todos os produtores referiram que a gestão das explorações agrícolas é muito exigente, sobretudo porque é durante a primavera/verão que há maior necessidade de mão de obra para garantir a gestão das culturas e das pragas e doenças associadas. Para além disto, notámos que há necessidade de reforçar o apoio técnico, a elaboração de registos de campo, e reforçar também práticas de conservação do solo e biodiversidade. A utilização de adubos verdes para a conservação dos recursos naturais também não é prática comum. Um detalhe não menor, que me interessa muito pessoalmente, é a perda da memória biocultural, das sementes locais e do trabalho colaborativo, do trabalho em rede e/ou do exercício comunitário. É um grande desafio pessoal tentar compreender as práticas e os exercícios históricos que têm desgastado a matriz biocultural do território e como contribuir para a recuperação e/ou co-criação de novas formas de valorização dos recursos locais nos territórios.
– Considerando a sua experiência profissional passada, encontrou semelhanças ou diferenças entre estes resultados e outros casos em que trabalhou na Europa ou na América Latina?
A agroecologia não parcelariza a realidade; tudo o que é possível em Portugal é específico deste território, incluindo as suas dinâmicas, culturas, etc. No entanto, apesar de existirem algumas semelhanças no que respeita à estrutura agrária, pude observar entre as grandes diferenças com a América do Sul, o escasso apoio técnico à Agricultura Familiar, fundamental nas transições agroecológicas territorializadas.
– Há mais alguma coisa que gostaria de partilhar com o nosso público?
Ainda estou a aprender sobre as dinâmicas socioculturais das zonas rurais portuguesas, mas chama-me a atenção que há muito interesse e motivação para recuperar práticas agrícolas e sementes de outrora, para co-criar comunidades, reforçar laços e apoiarem-se mutuamente. No entanto, para que estes esforços sejam bem-sucedidos, é necessário que mais pessoas assumam a liderança, invistam tempo, esforço e, por vezes, dinheiro, para contribuir para um maior bem-estar dos habitantes de um território. Mas todos podemos fazer parte deste processo – vamos trabalhar em conjunto para causar um impacto positivo e preservar o património agrícola de Portugal!